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Texto originalmente publicado por Carlos Felipe dos Santos em 14/jan/23.
Disponível em https://medium.com/p/5752d33e5d49
Tempo de leitura: 6 min.
Todos os anos, milhares de pessoas morrem vítimas de trauma, o que o torna um grave problema de saúde pública em todo o mundo. Para se ter uma noção, estas mortes são maiores do que por doenças como malária, Aids e tuberculose, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde/OMS.
Você deve estar se perguntando: e como isso se relaciona com o controle de hemorragias? Bem, acontece que parte destes traumas, os penetrantes, tem como causa da morte a perda de sangue não controlada. Em outras palavras: as vítimas deste tipo de lesão estão sangrando até morrer porquê simples medidas de primeiros socorros não estão sendo adotadas.
Torniquete de extremidades sendo usado em um ferimento em membro inferior direito. Imagem: OMNA Inc, por Pixabay.
Sabendo que a morte por hemorragia é totalmente evitável e, após um trágico evento com atirador ativo no final de 2012 que vitimou 26 pessoas na escola elementar Sand Hook, em Newtown, estado americano de Connecticut, uma iniciativa liderada pelo American College of Surgeons resultou na criação de um programa de capacitação em controle de hemorragias cuja meta é ousada: treinar, em todo mundo, ao menos 200 milhões de pessoas.
Linha do tempo
Em dezembro de 2012, Adam Lanza, um jovem de 20 anos, matou a sua mãe em sua residência e, na sequência, se dirigiu até uma escola elementar Sand Hook, em Newtown, CT, e matou mais 26 pessoas, das quais 20 eram crianças. Ao final, Lanza se suicidou.
Semanas após o fato, já no início de 2013, militares, agentes de segurança, médicos e demais órgãos governamentais se reuniram em Hartford, capital do estado, numa iniciativa liderada pelo American College of Surgeons para discutir o que poderia ser feito para reduzir as mortes em eventos com atiradores ativos. Ali, identificaram que a ação dos agentes de segurança era focada apenas no atirador e que as vítimas, portanto, estavam morrendo sem um primeiro atendimento adequado. Surgiu, então, um relatório que ficou conhecido como Consenso de Hartford, e a primeira melhoria implantada foi a divisão do atendimento por zonas (veja mais abaixo), que ficou conhecida pelo acrônimo THREAT (ameaça, em inglês).
Outros encontros ocorreram na sequência, gerando novos relatórios e melhorias, até que, em 2015, começaram a treinar policiais e demais agentes em controle de sangramentos e, em maio de 2017, lançaram, mundialmente, o programa Stop the Bleed. Desde então, milhares de pessoas vêm consolidando o seu conhecimento acerca de técnicas e dispositivos básicos para controlar um sangramento.
Linha do tempo dos eventos que resultaram na criação do programa de treinamento Stop the Bleed. Elaborado pelo autor.
Leia os relatórios do Hartford Consensus em [https://www.facs.org/about-acs/hartford-consensus].
Acrônimo THREAT
Acrônimo THREAT. Fonte: Hartford Consensus.
Na Zona Quente (em vermelho), uma área que está sob fogo, os agentes de segurança devem se concentrar em suprimir a ameaça. Na sequência, já na Zona Morna (em amarelo), sobreviventes em condições de prestarem o primeiro cuidado e os próprios agentes envolvidos na supressão da ameaça farão o controle da hemorragia por meio da pressão direta no ferimento e uma rápida extricação destas vítimas para uma área segura, denominada Zona Fria (em verde). Aqui, profissionais da saúde farão uma avaliação detalhada, complementarão o primeiro cuidado e farão o encaminhamento para um centro de trauma.
O que fazer diante de uma hemorragia?
Inicialmente, existem três técnicas básicas a serem aplicadas em uma vítima de trauma:
1 — pressão direta: aqui, o prestador do primeiro cuidado colocará a mão sobre o ferimento e irá exercer uma pressão no mesmo, auxiliando no controle da hemorragia. Para tal, poderá se utilizar de um pano limpo ou camiseta, conforme mostra o vídeo abaixo:
2 — preenchimento de feridas: esta técnica, idealmente indicada para ferimentos profundos, consiste em preencher a cavidade com gaze, preferencialmente as impregnadas com agentes hemostáticos, como o Celox Rapid ou Combat Gauze. Confira no vídeo abaixo a execução desta técnica:
3 — torniquete de extremidades: por fim, dentro das técnicas básicas a serem dispensadas à uma vítima de hemorragia, temos a aplicação do torniquete de extremidades. Este equipamento, como o nome sugere, deve ser colocado em braços ou pernas quando o sangramento não for controlado com um curativo compressivo ou quando o preenchimento da ferida for inviável, como no caso de amputações. Veja no vídeo abaixo a sua aplicação:
A fim de padronizar tais respostas, o programa americano criou o algoritmo abaixo, ajudando o prestador do primeiro cuidado a tomar as decisões acertadas.
Algoritmo para controle de hemorragias. Adaptado de Stop the Bleed Course.
O ABC da hemorragia
Lembrar desse algoritmo pode não ser uma tarefa fácil para quem não está acostumado a lidar com situações de emergência todos os dias. Por isso, o Stop the Bleed criou o ABC da hemorragia, mnemônico que ajuda o prestador do primeiro cuidado a lembrar de todos os passos a serem executados no atendimento, onde:
A — Alerta: aqui, tão logo seja identificada uma situação de trauma com hemorragia, deve-se ligar para o serviço de emergência, por meio dos números 192 ou 193, e solicitar atendimento;
B — Bleeding (sangramento): neste momento, deve-se avaliar a vítima rapidamente buscando por sinais de sangramento grave: roupas encharcadas, poça de sangue, sangramento que não cessa, sangramento em jatos, etc;
C — Comprimir: nesta etapa, deve-se executar as técnicas básicas de controle de hemorragias, iniciando-se pela compressão direta. Na sequência, tão logo um kit de primeiros socorros esteja disponível, deve-se então proceder com uma das outras duas técnicas: preenchimento de feridas ou aplicação do torniquete de extremidades.
Por que controlar uma hemorragia rapidamente?
O sangue é fundamental para o bom funcionamento do corpo humano. Por meio dele, células de defesa — os anticorpos — são transportados para todos os nosso órgãos. Através dele, também, é possível manter a temperatura ideal do nosso corpo, bem como levar o oxigênio, o gás da vida, para todas as células.
Quando há um sangramento, portanto, estamos perdendo as funções de proteção, regulação e transporte. Nosso organismo, então, começa a sofrer, principalmente pela falta de oxigênio. A capacidade de produzir energia e manter todos os processos vitais cai drasticamente, e começamos, numa tentativa de manter a vida, a usar outra forma de produzir energia, chamada de metabolismo anaeróbio: deixamos de usar o oxigênio para tal e começamos a usar a gordura, uma forma extremamente ineficiente e tóxica, o que vai prejudicar ainda mais a vítima.
Além disso, é importante ressaltar que o nosso cérebro, o órgão que mais consome oxigênio, é extremamente sensível à falta dele. Em cerca de 4 segundos sem aporte, o nosso cérebro ‘desliga’ e, então, a vítima perde a consciência. Após 4 minutos de perda sanguínea e ainda sem receber moléculas de oxigênio, lesões cerebrais irreversíveis começam a se desenvolver, tornando as chances de sobrevivência da vez mais baixas. Nosso coração, sem o volume adequado de sangue, também perde a capacidade de bombear, e vai deixando de funcionar adequadamente segundo a segundo, até parar de vez. Por isso, a necessidade urgente de se controlar — rapidamente — um sangramento maciço.
Após demonstrar o que todo cidadão precisa saber acerca do controle de hemorragias, faço a pergunta: e aí, você está preparado para situações de emergência? Não? Então recomendo, fortemente, que procure um centro de treinamento ou instrutor credenciado e treina as habilidades práticas.
Se você gostou do assunto e quer conhecer outros dispositivos para controle de hemorragias, dá uma olhada neste link, onde postei uma série que fiz ao longo dos últimos meses mostrando diversos equipamentos que temos disponíveis no mercado: [https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6810107892834807808/].
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